terça-feira, 27 de dezembro de 2011

SOBRE O GUARANI

O Guarani é um livro cristão. Seus personagens estão encarcerados em suas personalidades perfeitas, como se as personalidades existissem antes deles próprios. Temos o pai ordeiro, a filha virgem, o mocinho apaixonado, o bandido malvado e por aí vai. Como se tornam pobre os homens quando diminuídos a um ideal. Assim é como gostariam de se ver os cristãos, resumidos a ideais hermeticamente engarrafados em si mesmos, como produtos na prateleira de um mercado à espera do julgamento do comprador – Deus. Acontece que o homem (ainda bem!) não é assim. O homem é vário, é movimento constante, é transformação. É, em suma, vida. Essa é a mania dos cristãos: rejeitar tudo o que tem vida em nome daquilo que não é vida – novamente, Deus. Os cristãos foram os primeiros a dar uma conotação pejorativa para a palavra “mundo”. Ao sentirem-se intimidados por ele, reconfortaram-se atribuindo a sim mesmos o apelido de bom e às coisas o apelido de mal. Vingaram-se dessa forma. Por isso, o amor cristão está repleto de ódio e vingança. Provavelmente, se um dia todos tornassem-se santos, o cristão, ao invés de feliz, se tornaria ainda mais amargurado – pois agora teria que criar uma nova forma de distinção (quem sabe tornando-se mal?). Desse modo, ao se disfarçar de humilde, o cristianismo é a maior megalomania que o homem criou para si mesmo. O que pode ser mais presunçoso do que dizer-se humilde? Mesmo sozinho, destruído, dilacerado, o cristão tem posse de seu poder imaginário, e assim consegue lidar com o sofrimento. Agora: você diz que um homem é bom, eu te pergunto por que, você me responde que devido a sua bondade. Interessante jogo de espelhos.

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