quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

CATARSE & REDENÇÃO

Eu tinha escrito o seguinte: “a janela é um motivo para o mundo”. Ao tentar buscar a causa dessa afirmação, ou seja, ao tentar explicá-la, afastei-me de sua poesia. A arte é a eliminação da causa pela afirmação do efeito; um efeito que existe sem causa, um efeito que não é físico, é metafísico. Buscar uma causa é tarefa da ciência, da razão; a arte contenta-se com o efeito: por isso é um saber alegre – um saber que antes é a alegria do não saber (o trágico). A experiência da catarse é a experiência dessa alegria, e somente através da arte é possível alcançar essa alegria. A arte é um recurso de celebração da vida em seu mistério, é a celebração do mistério – celebração irracional da vida. Em contrapartida, a experiência da redenção é a experiência da tristeza diante do mistério, é a insatisfação com o mistério. Toda redenção consiste em negar – negar a vida (que é mistério). Para realizar a catarse, o herói morre; para realizar a redenção cristo morre: porém, cristo morre por uma causa, o herói morre por um efeito.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

SOBRE O GUARANI

O Guarani é um livro cristão. Seus personagens estão encarcerados em suas personalidades perfeitas, como se as personalidades existissem antes deles próprios. Temos o pai ordeiro, a filha virgem, o mocinho apaixonado, o bandido malvado e por aí vai. Como se tornam pobre os homens quando diminuídos a um ideal. Assim é como gostariam de se ver os cristãos, resumidos a ideais hermeticamente engarrafados em si mesmos, como produtos na prateleira de um mercado à espera do julgamento do comprador – Deus. Acontece que o homem (ainda bem!) não é assim. O homem é vário, é movimento constante, é transformação. É, em suma, vida. Essa é a mania dos cristãos: rejeitar tudo o que tem vida em nome daquilo que não é vida – novamente, Deus. Os cristãos foram os primeiros a dar uma conotação pejorativa para a palavra “mundo”. Ao sentirem-se intimidados por ele, reconfortaram-se atribuindo a sim mesmos o apelido de bom e às coisas o apelido de mal. Vingaram-se dessa forma. Por isso, o amor cristão está repleto de ódio e vingança. Provavelmente, se um dia todos tornassem-se santos, o cristão, ao invés de feliz, se tornaria ainda mais amargurado – pois agora teria que criar uma nova forma de distinção (quem sabe tornando-se mal?). Desse modo, ao se disfarçar de humilde, o cristianismo é a maior megalomania que o homem criou para si mesmo. O que pode ser mais presunçoso do que dizer-se humilde? Mesmo sozinho, destruído, dilacerado, o cristão tem posse de seu poder imaginário, e assim consegue lidar com o sofrimento. Agora: você diz que um homem é bom, eu te pergunto por que, você me responde que devido a sua bondade. Interessante jogo de espelhos.

POESIA CONCRETA

A poesia, na verdade, sempre foi concreta, mesmo quando era apenas falada. Já estavam lá a rima, o ritmo, as aliterações. A palavra, se formos pensar, é em si mesma concreta. Apenas o que se fez foi levar seu concretismo á últimas conseqüências, resgatar a materialidade da palavra e torná-la evidente tanto quanto seu conteúdo. Isso é genial, mas representa um perigo. A partir do momento em que sua matéria vem à tona, a palavra corre o risco de limitar-se à sua matéria e esquecer de seu significado. Muitas vezes a poesia concreta caiu nessa armadilha e tornou-se um jogo de ping-pong com si mesma, a aparência em relação com a própria aparência e não a aparência em função da essência – limitando-se assim a uma espécie de palavra-cruzada poética. Mas uma vez estando consciente do objetivo último da poesia, impondo-o como meta, a forma pode ser uma poderosa alavanca atingir esse objetivo com maior precisão e poder.

NEM MORAL, NEM IMORAL

A matéria-prima do pensador livre não é moral, nem imoral. Não se trata de entender tudo o que é tido como moral por ruim e tudo o que é tido como imoral por bom; não se trata de uma moral invertida. Muitas vezes o “pensamento livre” poderá encontrar pontos de convergência com a moral – o que o distingue é que seu critério de avaliação não se dá através da moral (e tampouco se dará através do imoral!).

POESIA E PROSA

Se a poesia é como o orgasmo, direta e objetiva, a prosa seria como o casamento, arrastado e cheio de possibilidades de perspectiva; se a poesia é uma coisa só, opaca, não permitindo um reflexo segundo de si mesma, para se escrever um romance deve ser preciso uma boa dose de tolerância, concessões e fidelidade. Porém, costuma-se conquistar mulheres apresentando-lhes poesia – isso deve nos querer dizer algo.

BRINQUEDO

O homem é um náufrago ancorado de cabeça para baixo no espaço vazio do nada. Seu único objeto além dele mesmo é o orgulho – um brinquedo que ele mesmo criou para se distrair de sua existência.

DIFICULDADE EM FAZER POESIA

A poesia é a expressão artística mais rara e difícil de se realizar. É uma arte contraditória, pois se dá essencialmente através d aplavra e, vejam só, seu trablho consiste em livrar-se desesperadamente da limitação da palavra. Por aí se explica sua maior dificuldade em relação à pintura, por exemplo, ou à música instrumental. Mas e a música cantada com palavra? É muito mais difícil fazer um poema bem sucedido do que uma música, e aqui vou tentar explicar o porquê. A letra de uma música sem música não é poesia, porque não se completa em si mesma – a música cumpre esse papel por ela, reúne os pedaços espalhados pelo chão e os embrulha para presente, por assim dizer (se bem que algumas letras do Caetano são poemas prontos, como Qualquer Coisa, por exemplo, mas enfim). Seja lá qual a ordem em que vierem letra e música, existe a independência entre as duas, ainda que independentes uma careça da outra. Posteriormente, elas poderão se juntar para dar uma idéia de unidade, mas ao ser fabricado o DNA de cada uma, individualmente, não tem nenhum compromisso em oferecer unidade. Então eu distingo a dificuldade de se fazer um poema a partir desse ponto: é como se o poema já tivesse que começar pronto, nascer velho; um tiro que para sair do cano tivesse que já ter atingido o alvo, um início que começa pelo fim, enquanto a música tem o alívio desses dois tempos distintos. Agora, o mais difícil mesmo é fazer uma piada.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

PROTUBERÂNCIA DA NATUREZA

Somente a ação humana costuma-se classificar. Se uma árvore cai na cabeça de alguém e esse alguém morre, provavelmente não se dirá que a arvora é má, criminosa; não a levarão para a cadeia, nem a julgamento nem nada. Não seria possível encarcerar a natureza – a não ser que você entre numa caixa e diga que essa caixa é a liberdade e todo o resto é prisão.  Então a classificação das ações é assim como uma protuberância da natureza, partindo do princípio do livre-arbítrio, na qual o indivíduo é livre para escolher esse ou aquele ato. Mas o que faz esse ato ser bom e aquele mal? Nada senão uma relação pessoal que se tem com o ato. Quer dizer, o ato não é bom ou mal em si, mas de acordo com a relação que se estabelece, subjetivamente, com o ato. Se eu causo sofrimento ao outro, ou se represento, de alguma forma, uma ameaça, um perigo, meu ato será visto como mal, e na medida em que meu ato representa um benefício, será visto como bom. Bem e mal são no fundo parâmetros criados em vista do que mantêm e o que denigre a sociedade, o conjunto. Mas o que está realmente por trás dos atos humanos, sem exceção, é o orgulho. O homem age sempre em direção a si próprio. Por trás de todo altruísmo está escondida alguma forma de orgulho. Não existe, absolutamente, ação que visa somente do próximo. O homem só age movido por algum tipo de motivação, e a motivação irrompe de sua necessidade pessoal. Isso o torna limitado em sua circunferência. Nem mesmo existe abnegação, se esta é um recurso último e desesperado de posse do orgulho. Olhando de fora, as causas e lutas humanas com seus sacrifícios individuais em nome do orgulho parecem francamente ridículas (“O meu nome! É o meu nome!” diz o homem moral em As Bruxas De Salem). Provavelmente os seres humanos têm sido a maior diversão das árvores desde que se inventou a civilização.

A GRANDE QUESTÃO

A grande questão é a seguinte: se um diabinho se aproximasse dissesse que você está condenado a passar a eternidade revivendo as suas últimas 24 horas, em um retorno cíclico interminável, o que você sentiria? Ou melhor, não digo a eternidade, pois viver qualquer coisa eternamente seria um fardo insustentável, mas passar o resto da vida vivendo essas últimas horas (como no filme O Feitiço do Tempo). Isso seria pra você um castigo ou uma dádiva? Tudo bem, já deu pra entender, algo como viver plenamente, aproveitar cada instante, amar a vida, or something. Mas se eu me dou por satisfeito com minhas últimas 24h, seja lá como tenham sido, que lugar terá a ambição, o desejo de se superar? Por exemplo, hoje não fui produtivo, então vou dormir pensando o que posso fazer de diferente amanhã para ser produtivo. Certo, mas digamos que então no dia seguinte você tenha conseguido ser produtivo – será que isso terá tornado o seu dia, essencialmente, melhor do que o anterior? Hoje você busca produtividade, mas amanhã buscará outra coisa que escapa do seu raio de visão atual. Hoje fui produtivo, porém meu cachorro morreu, ou minha namorada brigou comigo, ou meu time perdeu (estou buscando aqui situações aqui situações caricatas, é claro que essas frustrações provavelmente se encontrarão nas margens mais recônditas e improváveis do indivíduo). Portanto lá está nosso diabinho – se eu aceito sua condenação como uma dádiva, estou abraçando a vida junto com seus aspectos indesejáveis, estou afirmando o sofrimento. Mas isso é mesmo possível? Ouça uma música triste e sinta aquela indizível alegria transbordando dentro de si, que somente através da tristeza se pode alcançar – então a afirmação do sofrimento se revela muito mais acessível do que poderia parecer.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

BANHEIRA DE HIDROMASSAGEM


Uma banheira de hidromassagem no centro da existência. Mas o que é a banheira? Para uma formiga é um buraco negro, um portal para outra dimensão, um poço do inferno; para um homem é uma fonte de relaxamento, um momento de descanso, um clima romântico; para um elefante é um copo d água – qual deles estará certo? Provavelmente, a banheira.

SOBRE DOM QUIXOTE

Numa determinada passagem de Dom Quixote, este vê a aproximação de um rebanho de carneiros e imediatamente entende se tratar de uma tropa de guerreiros inimigos vindo em sua direção. Não apenas nessa passagem, mas ao longo de todo o romance, D. Quixote interpreta a realidade e as experiências trazidas pelo acaso ao seu modo, atribuindo-lhes, imprimindo-lhes a projeção de si mesmo, de acordo com sua disposição e sentimento no momento. Assim fazemos todos nós, a todo instante. Vivemos o tempo todo dando forma ao que não tem forma, interpretando a realidade, sempre de um ponto de vista pessoal, subjetivo. A diferença é que em D. Quixote isso se dá ao nível do sonho. Mas mesmo em vigília vivemos uma espécie de sonho, ilusão. Essa ilusão é nossa condição de vida, sem ela tudo se tornaria vazio. Um ato, em si, é vazio – é atribuindo valor ao ato, que agimos.


DISSECANDO A VERDADE

A verdade – e, conseqüentemente, a mentira – surgiu com o advento da palavra. Antes, tudo era exatamente o que era. A palavra surge como uma espécie de posse do objeto, a partir de sua abstração. E a mentira, nada mais é do que a aplicação de uma palavra inadequada à coisa. Que vantagem há em, primeiro, dizer “isto é uma mesa” para, em seguida dizer “é verdade que isto é uma mesa”? É como esconder um objeto atrás de um arbusto para, em seguida, procurá-lo atrás do mesmo arbusto e – adivinha! – encontrá-lo lá. Nesse caso a mentira seria como esconder esse objeto atrás do arbusto e ir procurá-lo atrás da arvora – evidentemente não o encontrarei lá. Na medida em que todos sabem que o objeto está atrás do arbusto e ninguém se lembra mais quem o pôs lá, pode-se acreditar que ele sempre esteve lá. Foi isso o que fez Sócrates – entender a verdade como existente em si mesma. Depois, o cristianismo divinizou essa verdade e lhe atribui seus ornamentos morais. Mas isso já é uma outra conversa.

O HOMEM E SEU NARIZ

Um dia um homem olhou-se no espelho e viu seu nariz. “O que faz meu nariz de diferente de todos os outros?”, perguntou. Determinado a desvendar essa intrigante questão, começou atribuindo-lhe um adjetivo. “É longo”, já ia dizendo, mas logo se deteve. Longo, sim, mas em relação a que outro nariz? Tratava-se de um problema de difícil solução. Mesmo se ele elegesse algum outro nariz como modelo de comparação, ficaria faltando todos os outros narizes do universo. “Muito embora um nariz nunca seja exatamente igual a outro nariz, a todos se dá o mesmo nome: nariz”. Era preciso encontrar uma palavra que definisse unicamente seu nariz. Ocupado com semelhantes divagações, o homem permaneceu ali, diante do espelho, um dia, dois, uma semana, meses e anos (diz-se que durante certo tempo esteve convencido de que seu nariz era o verdadeiro, quando todos os outros não passariam de cópias imperfeitas do seu... tortuosas devem ter sido as acrobacias lógicas que o levara m a tão disparatada conclusão). Vieram os filhos, cresceram, vieram os netos, as rugas, a velhice e, por fim, a morte. A vida passou – logo abaixo do seu nariz.

sábado, 10 de dezembro de 2011

COM A POESIA, QUERO FALAR MÚSICA

A música é a forma de arte mais pura. Enquanto nas demais manifestações artísticas o que se expõe é mais uma aparência conceitual de uma essência, na música exprime-se essa essência mais diretamente, sem ou com pouca intermediação. Na poesia, por exemplo, há a palavra como informante intermediário, como uma caixa retirada de outra caixa. A melodia bebe diretamente da primeira caixa, porque é uma forma primitiva, uma forma que não está ligada a uma abstração da realidade, que já seria como uma segunda realidade, mas a uma manifestação mais imediata dessa primeira realidade. Na música, o sofrimento pulsa de alegria, a alegria está carregada de sofrimento. Ela representa uma unidade anterior. Quanto mais próximo eu conseguir chegar desse “primitivismo” da música com a poesia, mas terei alcançado a cerne da existência, e mais satisfeito ficarei.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O ROCK

O rock é o último maior acontecimento da arte. É a música do jovem, do força, do instinto, da sensualidade - é o retorno do espírito tribal, irracional, trágico. interessante observar como no rock é importante a aparência - é o movimento, o bate-cabeça, os gestos exagerados, a postura. Foi onde os instintos reprimidos encontraram uma válvula de escape, e o melhor: uma válvula de escape através da arte. Ou seja, é o instinto da agressividade, da raiva, do ressentimento, da dor, do destruição podendo se manifestar sem nocividade, positivamente. eis o poder do rock: transformar negatividade em positividade.  

MINHA POESIA

Minha poesia nunca vem de um raciocínio, de um entendimento lógico, mas de uma vontade de explosão irracional, de um embasbacamento. O que procuro quando escrevo é possibilitar essa experiência trágica pura, mais desprovida de pensamento linear possível. Quanto mais virgem, inocente, tribal essa substância extraída for, melhor. Por esse sentido não considero minha poesia concreta, mas sensual. Fica só o susto, a vertigem. O objetivo é conectar o outro a impressão estética desse susto diante da beleza – e do terrível.
“suporte, baby/ baby, suporte”

HOMEM COMO ANIMAL

Nietzsche foi o filósofo que lembrou o homem como animal. Homem instinto, homem  vontade, homem potência. É como se o homem estivesse cada vez mais endurecido nessa coisa de sociedade, de regra, de moral; nesse encobrir-se de roupa, esconder-se; nessa verticalidade, sempre vertical, vertical, vertical. Cadê o animal, a carne, o sangue? Cadê o instinto? Cadê a horizontalidade, o despejar-se? O que a gente vive hoje é o melhor momento da humanidade. O momento em que o homem recupera a irracionalidade perdida, a inocência, e recupera o valor da felicidade.

A FILOSOFIA DE NIETZSCHE

É preciso inventar uma palavra nova, uma definição nova para definir o que fez Nietzsche. O que ele fez não foi filosofia, nem arte, nem ciência; o que ele fez ainda não se sabe o que é. Quem sabe pelo próprio fato de ele nunca buscar um conhecimento último, verdadeiro, a filosofia dele não se pode conhecer, não se pode possuir. Cada vez que você lê é uma nova coisa. De acordo com suas novas experiências, novas leituras, com os últimos acontecimentos do mundo, as idéias dele se moldam, se adaptam. É ar, movimento. Não existe um ponto final no seu pensamento, fica em aberto, tipo toma aí e agora... se vira!