quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O LÓGICO NA ARTE

Meus últimos poemas têm saído um tanto filosóficos. Isso é natural, tendo em vista que tenho lido muito filosofia. Há algum tempo eu me reprimia dizendo que devia tomar cuidado para não tornar minha poesia “filosófica”. Mas depois consegui enxergar a coisa com maior amplidão, e essa minha conclusão está expressa aqui no texto Ampliando O Foco. É que não há problema que haja dentro da arte lógica; causa e efeito, em um contexto artístico, é como prótons e elétrons dentro do átomo: eles seguem uma lógica, mas o próprio átomo – é ilógico. No caso daquele texto eu tinha usado a imagem de pessoas dentro de um avião. Então, na arte, mesmo essa lógica está situada em outro âmbito. Agora veja que loucura, quando se queria fazer crer através da lógica alcançava-se o “outro mundo”, o “mundo verdadeiro”. Não, é o ilógico que o alcança – e isso não em um retorno ao estado animal?

ALEGORIA DA OPINIÃO

O que significa a opinião em um artista? Nada, absolutamente; no máximo uma representação, projetada sobre a textura da neblina, uma forma que se molda no informe, no oco, no vazio. No artista a opinião (esse bisturi da consciência) não passará de uma alegoria da opinião.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

DIÁLOGO NO CENTRO DO TRONADO

    - Mas então, no que você acredita?
    - Eu sou discípulo de Jesus, acredito no amor, na redenção pelo amor e no perdão a todo instante.
    - Mas então você é cristão?
    - Sou cristão ateu.
    - Explique isso.
    - Eu acredito em Deus assim como acredito nos deuses da mitologia grega. O Deus cristão é o deus do amor. Como não se render ao deus do amor?
    - Mas os deuses da mitologia grega eram tipos humanos, e o da religião católica é o inumano. E aí vem aquele conceito da verdade, etc.
    - Justamente, eu humanizo Deus.
    - Isso não o descaracteriza, não tira o seu valor? O valor que justamente o torna valoroso?
    - Não, aí é que ele se trona valoroso. Eu tiro sua roupagem católica...
    - Mas você não acredita, efetivamente, em Deus.
    - É porque aí a coisa começa a ficar perigosa. Esse meu amor, ele está inserido dentro de uma perspectiva caótica e trágica da realidade. Veja bem, eu sou um artista, eu acredito na arte. Para mim a arte é o máximo, o ápice. Nada pode sobrepujá-la. E a sua beleza está nessa condição amoral, nesse passo atrás. É um passo atrás, um passo para dentro de si mesmo. É a grande libertação e a grande beleza. A verdadeira obra de arte já contem um pedaço da totalidade, e esse pedaço já vele pela totalidade porque contem ali o seu DNA.
    - Mas quando você falou de redenção, isso já não é moral?
    - Não, porque mesmo essa redenção vem numa bagagem trágica. Tudo vem dentro desse mesmo saco...
    - O que é redenção, para você?
    - A redenção é um perdão incondicional, uma adequação do indivíduo a ele mesmo. Um cristão também poderia dizer isso, mas acontece que minha interpretação do indivíduo, da “verdade” do indivíduo, é diferente da interpretação cristã. É o oposto, até. Há uma inversão completa ao se conceber a verdade como sendo a harmonia, a unidade, a perfeição. A verdade para mim está justamente no caos, na multiplicidade, no aleatório. A verdade é terrível, e inapreensível por conta mesmo dessa multiplicidade simultânea.
    - Mas a arte não seria harmonia?
    - Sim. Aí já é aquele diálogo antigo, o diálogo que criou a arte mesmo, aquele entre Apolo e Dioniso, a bela aparência e a essência caótica. Esse diálogo... olha só, a interação. E eu valorizo a aparência, mesmo porque, na condição de indivíduo, na se pode fugir dela.
    - Então...
    - Eu não acredito na santidade, acho que aqui já resumo bem. Ou, se acredito, não a valorizo, não a elevo acima do resto. O santo é mais um protagonista, mais um grão de farinha nessa saco. Tudo está inserido, e caminhando... Eu tinha dito que quando partes independentes seguem em direções opostas, todas seguem para a mesma direção, que é a expansão. E ainda tava lendo o Mautner, e ele escreveu o seguinte: “O viajante era um cara que ficava viajando de um lugar para outro lugar sem parar, até que um dia ele começou a viajar de um lugar para dentro daquele mesmo lugar”.
    - É bonito.
    - E isso já é aquela redenção. Que mais eu poderia dizer além disso? O caminho para o centro já é o caminho da expansão.
    - Isso é física.
    - Essa expansão é como a conquista de novos territórios. É o domínio do mais forte, a vontade de poder.
    - E isso é Nietzsche.
    - É Nietzsche como revelação espiritual. Nietzsche não tem nada a ver com política. É errado querer fazer esse movimento de estender suas idéias a política (muito embora ele tenha falado sobre política). Nietzsche condenava o estado, o problema dele estava acima disso.
    - O culto ao irracional, à força, isso na acabaria deflagrando na I e II guerra mundial?
    - Tudo é irracional, no fundo a própria razão é irracional. Porque... o que é racional? A ciência? Causa e efeito? Isso é irracional, na medida em que são projeções humanas, e... Bom, as guerras, elas são morais, subversivamente morais, mas ainda assim morais. E a moral é o racional dentro do irracional.
    - Sim, mas ele detestava a compaixão, o amor, ou pelo menos lançava olhares sarcásticos para esses sentimentos, e você tinha falado do amor.
    - Acho que é porque o amor pode vir a ser um sintoma de insegurança do ego, quase que uma defesa instintiva, uma forma de preencher o vazio. Mas se o ego se encontra seguro, ele pode também transbordar em amor ao que não é ele. Desse modo, o amor é válido quando representa um transbordamento e não um preenchimento. Mas, como disse, sou discípulo de Jesus. E Jesus inserido no rock, para mim isso já é poesia.
    - Jesus Cristo Super-Star.
    - E poesia escrita no celular, isso já é filosofia. E a ciência? Depois de Albert Einstein, a ciência virou também filosofia e poesia. Talvez num futuro distante tudo seja arte. Marcel Duchamp, techno music, a internet, o face book... a vida cotidiana transfigurada em arte. Eu vi uma entrevista com Marcelo Camelo e ele disse que fez uma experiência buscando no youtube “weird instruments”, e aí foi soltando os vídeos simultaneamente com o som dos instrumentos, cada um mais estranho que o outro, os próprios instrumentos já eram obras de arte. Isso me lembra Chico Science: “Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”. Meu último poema se chama Sonhos de Einstein, e é inspirado numa montagem do grupo Intrépida Trupe, que por sua vez já é inspirada num livro, todos homônimos. O poema são frases que formam gotas de chuva, ou lágrimas escorrendo, e é como um quadro, não tem um verso final. E então tudo se encontra aí, as lágrimas, a chuva... é como se tudo pudesse estar resumido aí.
    - Na tristeza?
    - Sim. Mas mais do que isso. As pessoas costumam achar meus escritos angustiados, desesperados, mas eu penso nos meus livros e só vejo a alegria. Claro, tem muito desespero também. Mas mesmo essa expressão de desespero à la rock deprê norte-americano, vem por uma via carnavalesca. Acho que minha identidade nacional se encontra aí, é meu sangue brasileiro atuando.
    - Você disse que a opinião de um artista nunca passará de uma “alegoria da opinião”.
    - Exatamente. Veja, novamente o tal passo atrás, a direção do centro e a expansão.
    - E o que mais?
    - As lágrimas, a esperança e o amor... sempre o amor.

DUAS LINHAS

Duas linhas antagônicas que convergem até se cruzarem no meio do caminho, para depois divergirem e tronarem-se novamente antagônicas como no início, descrevendo assim um X. Esse é o X da questão. Qual será o Y

domingo, 22 de janeiro de 2012

A QUESTÃO DA FUNÇÃO SOCIAL NA ARTE

Muitas vezes a arte pode até vir a ter um papel social, transmitir uma idéia, uma “opinião”. Mas vejamos bem. A arte nos conecta com alguma espécie de essência (a partir daqui, entenda “essência” como bem quiser) sempre perturbadora por nos revelar algo que nos tira de nosso conforto, e o canal que permite essa conexão é a beleza. A beleza, que é bela aparência, é como um anestésico para a absorção dessa essência perturbadora. É como poder atear fogo em si mesmo e, não só sobreviver, como também sair ileso e revigorado. Desse modo, como que por osmose, nós nos infectamos desse fogo, dessa essência. É de escolha do artista, me parece, que esse essência venha acoplada numa opinião, numa denúncia – um interior que quer virar do avesso para olhar o de fora, o revés da ostra. Mas o mais importante é que a arte esteja além dessa mera opinião, conserve seu interior intacto mesmo que este tenha a pretensão de escapulir para a atmosfera, esticar seu nariz para a superfície. A opinião, se houver, será apenas uma parte da obra, um órgão, e de pouco valor; ela deverá estar subordinada ao todo – o contrário disso seria como um homem passar a vida dedicando-se a seu apêndice. A opinião (termo que já podemos estender aqui para razão, moral), na arte, é como o apêndice – órgão de pouca ou nenhuma importância para o funcionamento do organismo –, e quem reduzir a arte a um superficial meio de transmitir opinião, não só não estará fazendo arte como provavelmente estará sofrendo de apendicite.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

SOBRE CRIME E CASTIGO

Encontrar em Crime e Castigo uma lição moral, no sentido de que nos seria apresentada uma conclusão, um objeto final, seria reduzi-la ao campo limitado da necessidade pessoal de encontrar ali esse objeto; seria moldar a obra ao espírito, à necessidade do espírito, ao invés de moldar o espírito à obra, livrando-o da necessidade. Por isso prefiro ver a obra como uma foto. Uma foto do crime. Veja que a foto só seria possível havendo o crime! E como é bonita essa foto... Não havendo o crime ou, generalizando, não havendo o pecado, o erro, o sofrimento, sobre o que se iria escrever? Como poderia o fim de uma obra-de-arte ser a negação de si mesma, de seu princípio?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

LEITURA DE FILOSFIA

Me incomoda certos pensadores atuais que tendem a tornar a filosofia uma distração. Um bom exemplo desse tipo de pensador é Allan de Botton, o filósofo “bonitinho”. Os destinatários de seus livros são uma classe média alta que não suporta o sofrimento; que vive em conforto e com facilidades que permitem ao indivíduo tirar seu time de campo para pensar frivolidades. Outro exemplo significativo dessa linha é o programa de televisão Saia Justa. A pior vertente gerada por esse salto alto na filosofia é o pessimismo. O pessimismo vem, no fundo, não de um sofrimento em relação à existência, mas de um conforto. No tempo em que o homem vivia sujeito ao medo e à violência (a Grécia de Homero é um bom exemplo dessa era), ele era obrigado a provocar medo e ser violento; vivia constantemente “em combate”. A verdadeira leitura de filosofia não é uma leitura de sombra e água fresca, de distração – é uma leitura de combate, de concentração. Filosofia não é um Spa. Quem quiser filosofar, que suba no ringue.