terça-feira, 31 de janeiro de 2012

DIÁLOGO NO CENTRO DO TRONADO

    - Mas então, no que você acredita?
    - Eu sou discípulo de Jesus, acredito no amor, na redenção pelo amor e no perdão a todo instante.
    - Mas então você é cristão?
    - Sou cristão ateu.
    - Explique isso.
    - Eu acredito em Deus assim como acredito nos deuses da mitologia grega. O Deus cristão é o deus do amor. Como não se render ao deus do amor?
    - Mas os deuses da mitologia grega eram tipos humanos, e o da religião católica é o inumano. E aí vem aquele conceito da verdade, etc.
    - Justamente, eu humanizo Deus.
    - Isso não o descaracteriza, não tira o seu valor? O valor que justamente o torna valoroso?
    - Não, aí é que ele se trona valoroso. Eu tiro sua roupagem católica...
    - Mas você não acredita, efetivamente, em Deus.
    - É porque aí a coisa começa a ficar perigosa. Esse meu amor, ele está inserido dentro de uma perspectiva caótica e trágica da realidade. Veja bem, eu sou um artista, eu acredito na arte. Para mim a arte é o máximo, o ápice. Nada pode sobrepujá-la. E a sua beleza está nessa condição amoral, nesse passo atrás. É um passo atrás, um passo para dentro de si mesmo. É a grande libertação e a grande beleza. A verdadeira obra de arte já contem um pedaço da totalidade, e esse pedaço já vele pela totalidade porque contem ali o seu DNA.
    - Mas quando você falou de redenção, isso já não é moral?
    - Não, porque mesmo essa redenção vem numa bagagem trágica. Tudo vem dentro desse mesmo saco...
    - O que é redenção, para você?
    - A redenção é um perdão incondicional, uma adequação do indivíduo a ele mesmo. Um cristão também poderia dizer isso, mas acontece que minha interpretação do indivíduo, da “verdade” do indivíduo, é diferente da interpretação cristã. É o oposto, até. Há uma inversão completa ao se conceber a verdade como sendo a harmonia, a unidade, a perfeição. A verdade para mim está justamente no caos, na multiplicidade, no aleatório. A verdade é terrível, e inapreensível por conta mesmo dessa multiplicidade simultânea.
    - Mas a arte não seria harmonia?
    - Sim. Aí já é aquele diálogo antigo, o diálogo que criou a arte mesmo, aquele entre Apolo e Dioniso, a bela aparência e a essência caótica. Esse diálogo... olha só, a interação. E eu valorizo a aparência, mesmo porque, na condição de indivíduo, na se pode fugir dela.
    - Então...
    - Eu não acredito na santidade, acho que aqui já resumo bem. Ou, se acredito, não a valorizo, não a elevo acima do resto. O santo é mais um protagonista, mais um grão de farinha nessa saco. Tudo está inserido, e caminhando... Eu tinha dito que quando partes independentes seguem em direções opostas, todas seguem para a mesma direção, que é a expansão. E ainda tava lendo o Mautner, e ele escreveu o seguinte: “O viajante era um cara que ficava viajando de um lugar para outro lugar sem parar, até que um dia ele começou a viajar de um lugar para dentro daquele mesmo lugar”.
    - É bonito.
    - E isso já é aquela redenção. Que mais eu poderia dizer além disso? O caminho para o centro já é o caminho da expansão.
    - Isso é física.
    - Essa expansão é como a conquista de novos territórios. É o domínio do mais forte, a vontade de poder.
    - E isso é Nietzsche.
    - É Nietzsche como revelação espiritual. Nietzsche não tem nada a ver com política. É errado querer fazer esse movimento de estender suas idéias a política (muito embora ele tenha falado sobre política). Nietzsche condenava o estado, o problema dele estava acima disso.
    - O culto ao irracional, à força, isso na acabaria deflagrando na I e II guerra mundial?
    - Tudo é irracional, no fundo a própria razão é irracional. Porque... o que é racional? A ciência? Causa e efeito? Isso é irracional, na medida em que são projeções humanas, e... Bom, as guerras, elas são morais, subversivamente morais, mas ainda assim morais. E a moral é o racional dentro do irracional.
    - Sim, mas ele detestava a compaixão, o amor, ou pelo menos lançava olhares sarcásticos para esses sentimentos, e você tinha falado do amor.
    - Acho que é porque o amor pode vir a ser um sintoma de insegurança do ego, quase que uma defesa instintiva, uma forma de preencher o vazio. Mas se o ego se encontra seguro, ele pode também transbordar em amor ao que não é ele. Desse modo, o amor é válido quando representa um transbordamento e não um preenchimento. Mas, como disse, sou discípulo de Jesus. E Jesus inserido no rock, para mim isso já é poesia.
    - Jesus Cristo Super-Star.
    - E poesia escrita no celular, isso já é filosofia. E a ciência? Depois de Albert Einstein, a ciência virou também filosofia e poesia. Talvez num futuro distante tudo seja arte. Marcel Duchamp, techno music, a internet, o face book... a vida cotidiana transfigurada em arte. Eu vi uma entrevista com Marcelo Camelo e ele disse que fez uma experiência buscando no youtube “weird instruments”, e aí foi soltando os vídeos simultaneamente com o som dos instrumentos, cada um mais estranho que o outro, os próprios instrumentos já eram obras de arte. Isso me lembra Chico Science: “Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”. Meu último poema se chama Sonhos de Einstein, e é inspirado numa montagem do grupo Intrépida Trupe, que por sua vez já é inspirada num livro, todos homônimos. O poema são frases que formam gotas de chuva, ou lágrimas escorrendo, e é como um quadro, não tem um verso final. E então tudo se encontra aí, as lágrimas, a chuva... é como se tudo pudesse estar resumido aí.
    - Na tristeza?
    - Sim. Mas mais do que isso. As pessoas costumam achar meus escritos angustiados, desesperados, mas eu penso nos meus livros e só vejo a alegria. Claro, tem muito desespero também. Mas mesmo essa expressão de desespero à la rock deprê norte-americano, vem por uma via carnavalesca. Acho que minha identidade nacional se encontra aí, é meu sangue brasileiro atuando.
    - Você disse que a opinião de um artista nunca passará de uma “alegoria da opinião”.
    - Exatamente. Veja, novamente o tal passo atrás, a direção do centro e a expansão.
    - E o que mais?
    - As lágrimas, a esperança e o amor... sempre o amor.

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